segunda-feira, 13 de outubro de 2008

The Forgotten Boys Street

Bati palmas no portão da casa, vi uma senhora levantando lá dentro, coçando o ombro e fazendo cara de quem não queria ter levantado por nada nesse mundo, “oquêqueémeufilho?”, ela cuspiu e quando eu disse que queria ver Loana, que tinha esse nome por culpa do escrivão do cartório da rua dos Absurdos, a velha então cuspiu no chão e gritou forte para dentro de casa: “LOAAAAAAANA” e a menina veio enfeitada de raio de sol com um laço verde no cabelo, cheirando a baunilha. Ela passou e disse que ia brincar na pracinha em frente de casa. “Arrumada desse jeito?”, cuspiu de novo e Loana então disse: “Sim, Marilda, só brincar com o Etevaldo, meu amigo”.

Não gosto desse rapaz, desse menino, não gosto que me chamem no meio da minha novela, eu já trabalho a semana inteira e ainda tenho que ficar atendendo a porta pra essa molecada ficar fazendo barulho na frente da minha casa, atrapalhando a minha novela? Essa menina vai se perder, essa Loana, nunca vi essa história de menina ter amigo homem, de brincarem juntos, de rirem tanto, as caras que essa menina faz quando tá perto desse Etevaldo, esse chamar de amigo, essa fita no cabelo... Eu não sei, acho que essa menina vai acabar se perdendo, o Francisco não acha e ele não precisa saber que eu só respeito a vontade dele por que é ele que paga minhas contas e me deixa ficar em casa cuidando das minhas coisas, ruim era no tempo em que eu tinha de acordar pra ir para o trabalho, mas agora eu herdei essa menina, com esse nome estranho, agora que o Francisco me quer só pra ficar em casa eu não vou reclamar. A filha não é minha, o problema no fim das contas é dele.

Eu quase nunca tenho um motivo bom para sorrir que não seja quando o Etevaldo aparece na porta de casa, de banho tomado e cara lavada, e boca cheirando a pasta de dente, me chamando pra brincar na pracinha em frente de casa. Essa mulher não é minha mãe, a minha mãe morreu e me deixou um apelido secreto, só meu e dela e uma fita verde de por no cabelo. “Pros dias especiais, minha filha”, então quando o Etevaldo vem eu ponho a fita e eu vejo pelo olho dele que ele acha bonito. Essa mulher ai sente inveja da minha mãe, eu sei, por isso que ela é tão zangada comigo. Mas meu pai esqueceu minha mãe e gosta dela e eu sou só uma criança, então eu não posso fazer nada a não ser chorar à noite ou sorrir bastante quando o Etevaldo aparece aqui. Acho que da próxima vez que eu precisar ir na padaria comprar o pão do café da tarde eu vou dar um jeito de pegar umas moedas pra mim então eu vou apostar com o Etevaldo uma corrida boba e perder e ai dar as moedas pra ele e sugerir como quem não quer nada pra gente ir tomar um sorvete. Ai eu sei que ele vai me pagar esse sorvete e eu venço essa besteira dele de achar que eu não posso pagar nada, nem um bombom nem uma maria-mole ou um quindim. Nessa vida a gente tem que ser esperta, senão vem uma velha dessas e nem deixa a gente tomar sorvete.

Quando a minha mulher morreu eu não soube muito bem o que fazer, a Loana tinha pouco mais que quatro anos e esses quatro anos seguintes foram bem difíceis, mas no fim das contas eu consegui arrumar uma mulher boa para ficar em casa e que gostasse de mim e fizesse bem para a Loanda. Ah!, como a Marilda gosta dessa menina, eu vejo no jeito dela que ali tem um carinho bom. Eu tenho muita sorte de poder contar com essas duas meninas na minha vida, por que a Marilda pode ter sua idade, mas é uma menina, um anjo, uma coisa linda. O Etevaldo... o Etevaldo é uma outra história...

Do lado de fora da casa, enquanto a criança brinca e a menina do olho dança e o sol se põe devagar, Marilda observa o jardim e conta os botões de rosa dando um tempo pra novela voltar do comercial. Aponta longe o carro de Francisco, subindo a rua, e Loana pensa “meu pai vai gostar de me ver com a fita verde que minha mãe me deu” e pede para Etevaldo esperar um pouco. O pai, Francisco, breca o carro, bate a porta e a filha chega e o abraça “oi, pai”, o pai retribui o abraço, diz que está cansado e que quer entrar logo, a chama para o jantar, Marilda já está na sala e beija o marido, Etevaldo está longe e esquecido, mais uma vez imagina, o portão já vai fechando e Loana, no último segundo libera o menino para respirar de novo, “Amanhã eu quero apostar uma coisa contigo”, ele ri, sabe que vai ganhar e desce a rua feliz, pensando na fita verde, em Marilda e no carro novo do seu Francisco. Etevaldo sabe que ama Loana e espera logo logo poder fugir com ela. “Toda vez que ela usa aquela fita verde ela fica tão linda”.

Chuta mais uma pedra e o lusco-fusco fica mais intenso. Um vento forte traz o cheiro de baunilha de Loana de volta para o nariz dele e ele ri.

sábado, 20 de setembro de 2008

Cárcere interno

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Querido Diário

Meu dia hoje foi bastante movimentado.
Pra começar, soprei uma nuvem que ficava em cima da minha cama.
Era uma nuvem preta, com cheiro de cachorro molhado, e que tinha uns olhões, assim, bem grandes, que olhavam pra mim e me faziam ficar espremidinho no meu travesseiro, com as pernas encolhidas e o dedão na boca e os pés gelados e um bolo de cabelo agarrado dentro do estômago. Mas eu lembrei do meu avô e resolvi ser corajoso como ele, e enchi o peito e dei um sopro bem forte nela, a nuvem preta, mas um sopro bem forte, bem forte, aí a nuvem preta arregalou os olhos e tentou gritar alguma coisa, mas ela só tinha olhos e não tinha boca. Aí ela se espichou, como se fosse de borracha e quisesse tentar segurar na cabeceira da minha cama, mas aí eu fiz mais força e soprei mais forte, aí ela não agüentou e, de olhões arregalados, ela foi espichando, espichando, espichando até ficar bem fininha, aí de repente voou todinha embolotada e bateu no vidro da janela e virou água, e escorreu pela parede e o meu quarto começou a ter cheiro de lençol limpo e desinfetante no chão.
O engraçado, Querido Diário, é que os olhões da nuvem preta ficaram grudados na janela, e de vez em quando eu olho pra eles e eles estão olhando pra mim, mas de repente uma lágrima escorre de um dos olhos e, quando eu vejo, os olhos da nuvem preta estão cinza. E eles não param de olhar lá pra fora, acho que os olhões estão esperando alguém que, tomara, chegue logo, porque eu não vou conseguir olhar por muito tempo os olhões cinza da nuvem preta sem ter vontade de contar pra eles as coisas que eu aprendi na escolinha de milk-shake da tia Lourdes. Agora deixa eu terminar porque lá fora tá fazendo sol, e eu preciso catar umas estrelinhas pra colocar no envelope e mandar pra ***, que eu prometi a ela ontem que ia dar o céu pra ela, e preciso começar a cumprir minhas promessas antes que volte a chover.
Tchau.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

everybody knows this is nowhere.

I walk through the streets and memorize the city
I count every light until i reach the shore
Sometimes i close my eyes and you’re not very pretty
Sometimes i can’t believe i’ve had those thoughts
Before

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Atos de uma esquizofrenia vigiada

Absurdou a possibilidade de ser exatamente aquilo que pretendia: instável; se apoiando em pedaços já bem mastigados de passado.

Absurdou, desacreditou e enfim acordou consigo mesma que a possibilidade não era tão remota quanto ela imaginava. O frio havia extinguido sua libido, e o tempo, os sulcos libidinosos de seu corpo, tudo parecia habitar apenas a mente. Tudo parecia natural apenas na morte.

Suspirou pelos corredores da casa, cheirando a poeira que lembrava os dias menos frios e pensou na acachapante possibilidade de ir embora e sumir dentro do seu ridículo, mas desistiu da idéia quando pensou na fantasia da avó: "ah! como eu seria feliz numa terra em que nenhum filho da puta me conhecesse...", falava a velha, andando pela casa, cheirando a poeira do tempo e rezando entre palavrões. Será que ela também estava ficando velha, senil, imbecil, esquecida e esquecível?

No quintal da casa havia apenas uns pés de planta, galhos de fortuna, capim de cheiro, nada de frutas e um gato escondido pelos pequenos matos do caminho que levava até a parte de cima do quintal. Lá, um quarto sempre fechado.

À noite, quando não se podia ver nada pela casa desligada, ela caminhava por entre os móveis, arrasando os pés no chão e chamando pelos filhos distantes. Eu via tudo isso do alto, observava tudo e lia tudo que estava escrito entre os milhares de palavrões que habitavam a mente daquela senhorinha de pés chatos e sandálias de couro antigo. E chambre. E ela chamava também pelo marido.

Ela chamava por qualquer pessoa que pudesse ver através da senilidade dela. A consciência pedia que ela gritasse por qualquer sinal de respeito, mas o corpo não obedecia, era um torpor só, uma tristeza aguda, uma dor que não passa por mais que se beba e se deite e se chore ou se grite. A agudez das coisas dentro da cabeça da minha amiga perfurava seu crânio e as coisas vazavam para o chão, tocando os pés das mesas, subindo pelas estantes, pulando para as pessoas que dormiam, disseminando a aquiescente certeza de que os processos são todos iguais, e a dor, inevitável.

Não fazia muito tempo ela ia à igreja de bom grado, reverenciar seus anjos e santos, pedir perdão pelos pequenos pecados, desistir das antigas promessas, devolver graças alcançadas... Era engraçado ver tudo isso, e depois reparar que aquela senhora que sempre sentava entre o coro, cantando apaixonadamente os hinos débeis, de repente passara a ser atravessada com o olhar das outras hipócritas, aquelas que surraram os filhos, negaram água ao passante, desejaram a morte das amantes dos maridos...

Mas perdi o foco. O foco era a senhora, nem nova nem velha, arrastando seu chinelo pela casa, na boca palavras sem sentido e convocações a filhos distantes, crescidos, débeis como ela, e o marido morto, dentro do último cômodo da casa, aquele depois dos pés de planta, dos galhos de fortuna e do gato imbecil e vingativo, o marido esperando no alto cômodo, num chamado que ninguém mais escutava. A não ser à noite, quando entre os corredores da casa eu o via passar de quarto em quarto, guardando o sono, mudando os livros de ordem, enchendo copos de água que ninguém bebia. Ele estava à espera, assim como eu.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Que transluziam aqueles dias de bailarina

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Carta em portunhol de um capixaba entortado pelo amor à moça argentina desconhecida que pisa em nuvens

Villa Vieja, Brasil, 3 de marzo de 2008

Querida C. Larreta,

Soy tuyo. Tu no me conheces, pero soy intera e completamiente tuyo.
Tu no me conheces. Entonces, apresento-me: soy Mário. Mário Ernani Monteiro, brasileño, vinte e siete. Jo soy ascensorista. Não sé se en Argentina se chaman los ascensoristas de ascensoristas, por eso lhe digo que ascensoristas son aqueles que mueven los elevadores para arriba e para abajo de los edifícios.
Tu no me conheces, pero jo pienso que sé tudo sobre ustéd. Tudo lo que es importante a su respecto, eu lo sé. E todo lo que es menos importante a la vista del mundo, a mi me gusta ainda mas e se torna mas importante e poco importa a quien no se le importe.
Jo sé como camiñas a la playa en noche de luna llena.
Jo sé como se muevem los cílios de tus ojos en tarde de brisa fresca e como los movimientos de sus cílios forman um gran huracán dentro de mi pecho.
Jo sé como se perfuma el cielo quando abres la boca en un sorriso largo.
Jo sé como la vida parece hecha de algodón doce e redondos pirulitos encarnados quando te mueves los cabellos enquanto bailas.
Jo sé como el mundo toma la forma de su cuerpo enquanto dormes.
Jo sé que tus piés no se tocan al suelo: tus piés elevan-te a alguns centimetros del reles suelo deste ingrato planeta, e la brisa se encarrega de te transportar, suave como una pluma, leve com um panero jugado de una montanha em tarde de primavera, iluminada como una gota de lluvia en una manãna llena del oro do sol.
Mientras escribo, jo respiro tu cheiro en el magazine que se queda em mis manos. E el aroma de flores campesinas transportan-me hasta el mundo onde el mar é tranquilo e caliente e me invade el corazón e me aplaca la tristeza que sinto por no estares acá. Por que assim estás acá, jo la sinto, jo la toco, e por estar siempre en mis sueños jo sinto sus manos a tocarme por todas las partes, e jo sinto tus lábios a sorverme a alma, e jo sinto tu olhar a flutuar en el aire em direzon a mis ojos.
Pero, en todas la noches, después de regallarme por tu cuerpo bidimensional e encharcar la tua pele envernizada con todo mi desejo e no escuchar la tua respiracion ofegante e ritmada e feliz e rapidamente ressucitada de duas o três pequenas muertes, percebo que, en verdad, tu no te mueves e no te brillan los ojos e no te puedo dar una taça de vino para adormecer sua sofreguidón. Porque estás quedada, presa, imobilizada e no pasa de una miragen, un delirio, una sombra que paira sobre mi corazón, una página de una vieja revista, con uns ojos azuis como el céu.
Entonces, leia esta missiva con cariño, fica tu con mi corazón trancafiado en tus ojos mientras jo fico acá segurando-la en mis manos e dormindo todas las noches con el resto del su perfume de tinta fresca em mi travessero e la tua piel amarrotada e con mancha de chokito en tu pierna izquierda, enquanto fico aqui com tu em mis sueños, mientras jo fico acá con mis olhos cerrados por sobre su boca, enquanto mi corazón se abre num grito contido e silencioso, silencioso para que no incomode los transeuntes, para que no incomode los pasageros e para que no incomode a la tranquilidade que emana del sorriso que me estampas. Enquanto jo permaneço subindo e descendo neste elevador sem sair del mismo lugar todos los tristes dias de mi vida.
Como hace onze años lo faço.

Tuyo,

Mário

domingo, 27 de abril de 2008

No ronco da cidade uma janela assim acesa.


[daqui a pouco, o dia vai querer raiar]

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Madrugadas foram feitas para?

"Trancou a porta?", ela sempre perguntava. Eu dizia que não era preciso, que não tinha perigo, que não precisava medo. Ela ficava tensa e só relaxava o canto dos olhos, dava um sorriso de satisfação, ficava com o pescoço liso e macio quando eu passava duas voltas na tranca.

A mesma porta que rangia, que fazia barulho, a do mesmo quarto de tantas tardes, de tantas noites, manhãs, confissões, desculpas e explicações. A mesma que um dia eu abri, passei, andei pela cozinha, olhei dentro de casa e não vi ninguém. Nem na cozinha, nem na sala, nem quarto de minha irmã, alguém escovando os dentes no banheiro?, não, nem tinha, nem no quarto de minha irmã, nem na sala, alguém vendo um filme. Não tinha ninguém. Energia também não. Era fim de noite, alta madrugada, no meio termo entre ser ontem por que ainda dormimos e hoje por que já acordamos. Não havia luz na minha casa, eu não queria velas, lá fora os faróis amanheciam o asfalto, doiravam as poças de água, era o que eu precisava para passar o tempo até o dia chegar de verdade e eu sair pelo bairro para ver o povo sair das casas. E ainda chovia.

Chovia fino, chovia um chuvisco fino e frio, sem vento, caindo lentamente, com preguiça, gota por gota sendo acordada no alto, convocada para molhar mais a terra molhada aqui embaixo e aí precipitada à força das nuvens pretas, negras, rubras, roxas e únicas - um bloco só de nuvens de todas as cores.

Ela ficou no quarto, no meu bolso, grupada nos meus pêlos, suada nas minhas costas, enrolada nos lençóis, enquanto eu pensava e saia de casa e chegava ao sítio do meu avô, via as águas do rio fortes e sem cabelos, como insistia minha mãe, as coroas inexistentes, as árvores deitando sobre as águas fortes do rio, as coroas não existiam mais, o outro lado parecia distante como quando eu era bem pequeno e via meu avô se meter no mato e buscar cana, e me ensinar que acerola se come do pé, mas que as folhas coçam, o futebol com os moleques do caseiro, o pôr-do-sol na água do rio, as cadeiras na porta da casa...

Saia pela porteira e via meu avô de longe, voltando com feijão, passando pelos pés de caju, as coisas da terra dele, os pés de manga frondosos, em círculo, as copas fechando o chão, as folhas forrando, escondendo os galhos, os pés grossos de andar e descobrir.

Eu via meu avô refletido em tudo aquilo, em cada folha, em cada gota de chuva que caia na plantação, nas telhas da casa e nos pedaços de vidro que faziam os olhos do cavalo de babaçu, nos jumentinhos feitos de maxixe verde e palitos de dente. Eu via meu avô refletido em cada cheiro da terra, em cada passo da terra que ele amava tanto, eu a via refletida em cada parede do meu quarto, em cada dobra do meu lençol, na cama curta, nas gotas de suor se empoçando no meu umbigo, no umbigo dela, nas poças na sala, as palavras lambidas no ar, os olhos se comunicando em diálogos extensos e profundos, os peitos batendo juntos, descendo e subindo juntos, a porta da casa de minha avó, as noites olhando juntos a janela, eu sozinho, vendo as poças, as luzes, as gotas caindo obrigadas, os carros passando, as coisas doiradas e o sono voltando quando já era dia.

"Trancou a porta?".

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Meu reflexo é mudo e difuso



segunda-feira, 31 de março de 2008

Shout

Eu grito porque o silêncio me incomoda.
Eu grito pra acordar a vizinhança. Eu grito pra fazer a velha gorda que caminha na calçada olhar pra cima. Eu grito pra deixar a meninada com medo de sair na rua, eu grito pra deixar o velho guarda com pânico do obscuro, eu grito pra deixar o carinha que amassa na esquina a namorada, de cabelo espichadinho, com o pau endurecido.
Eu grito porque não tenho voz. Eu grito porque eu calo para quem merecia uma porrada. Eu grito pela morte do meu gato, eu grito pela sorte do vagabundo que achou no lixo uma coxinha pela metade, eu grito pelo medo que o porrete causa na pele fria do mercedes prateado, eu grito pra abafar o barulho do avião, eu grito pra jogar qualquer muro em algum chão, eu grito pra enganar a desconfiança, eu grito pra apressar qualquer mudança.
Eu grito porque eu grito. Eu grito porque não aprendi a não gritar. Eu grito de tesão. Eu grito de alegria. Eu grito de pavor. Eu grito de horror. Eu grito por amor. Eu grito de saudade. Eu grito de felicidade. Eu grito com a boca cheia de lágrimas. Eu grito com a boca seca de vontade. Eu grito com a mão espalmada pra ampliar o grito. Eu grito com a camisa aberta no peito pra enfurecer o grito. Eu grito com o olho esbugalhado pra causar atrito. Eu grito porque, se eu não grito, eu não existo. Eu grito porque gosto. Eu grito porque quero. Eu grito porque sonho. Eu grito porque desisto. Eu grito porque insisto. Eu grito porque ninguém me ouve. Eu grito porque ninguém me vê. Eu grito porque quero continuar no escuro. Eu grito de vergonha. Eu grito por exibicionismo. Eu grito por hipocrisia. E eu grito por detestar a hipocrisia. Eu grito por idolatria. Eu grito por necessidade. Eu grito por inconsequência. Eu grito de orgulho. Eu grito por arrogância. Eu grito só de implicância. Eu grito porque gritando eu não vomito.
Eu grito porque o silêncio me machuca. Porque a noite me aprisiona. Porque o sol me dói a vista. Porque a sorte me abandona. Porque a morte me ronda o quarto. Porque a vida não se mede com uma régua. Porque não encontro a porta aberta. Porque não suporto nenhuma perda. Porque não acredito na vida eterna. Porque quero me aconchegar no peito dela. Porque quero amarrar poesia nas estrelas. Porque quero avacalhar as letras do alfabeto. Porque quero enterrar as mentes obtusas. Porque quero destruir as meias-verdades. Porque quero esburacar o sonho alheio. Porque quero estraçalhar quem me machuca.
Eu grito, porque eu grito. Eu grito porque o silêncio me incomoda. Eu grito pra fazer barulho. Eu grito.
Me beija. Que eu calo.

sábado, 22 de março de 2008

do amor gritou-se.








[o escândalo]

quinta-feira, 13 de março de 2008

4 partes de 1 mesmo nada

A Queda

"Mulher - Divino Luxo [...]/A dor ninguém suspeita imperial"
Tom Zé - Mulher Navio Negreiro


Começou assim. Um banco, um silêncio, um afago, um beijo, mil pedaços. Era o que tinha de ser naquele momento, dois a rodar, um pulo e um pouco de tédio, a morte engarrafada, deliciosa golada de perigo e dissabor.

Foi naquele momento, até o beijo da pedra, a partida, a caminhada, o melaço, a carona, a despedida, foi naquele momento da janela calma, da olhadela e do beijo engolido, ali, no abraço do inimigo, assim caminhava o destino para o imprevisível. Deus deve ter se remoído todo ao contemplar mais choro, menos racionalidade e mais tesão pelo perigo eminente de ser reduzido a nada. Nada. Na-da.

Caminhou, ouviu os passos, voltou os olhos junto com a cabeça, depois o tronco inteiro, deu um passo à frente, esperou. Tap-tap-tap-tap-tap, a corrida foi rápida, sentou, puxou-o para perto, disse qualquer coisa, apareceu alguém, alguém apareceu e o levou para longe. Levantou, andou, carona, casa, sono.

O Coice

"You launched the assault with the first cannonball/
my soldiers were sleeping"
Sean Lennon - Friendly Fire


O dia começou dolorido, rasgando desejos e escondendo a cara do sol. Era assim agora, acordava com o estômago embrulhado, pensava nos beijos, nos secos puxões, nos encontros dos dentes, o momento eternizado na fotografia, as bocas suspensas, no exato momento em que as línguas roçavam os lábios, prontas para o duelo. Era assim agora, não tinha certeza de nada, apenas seguia.

Acordou, vestiu uma camiseta, abriu a janela, calçou o chinelo, primeiro o pé direito, desemborcou o par esquerdo, só então o calçou, abriu a porta do quarto, deu de cara com a mãe que cozinhava, a cozinha toda cheirava a pecado e a porco assado. Bom dia mãe alguém me ligou, Um copo de leite, meu filho, a mãe retornava e dava os recados, acariciava a mão dele, ele era o filho preferido dela, era o único filho vivo, era o único filho adoravelmente vivo. Nos olhos e no quadril, nos bíceps e no cabelo. Ligou um rapaz para você, meu filho.

Discou, do outro lado o barulho do fone sendo suspenso, a voz suave, Alô, sim, sou eu, como você está?, Vem pra cá, aqui a gente conversa melhor.

O Castigo

"And if the lights are all out I'll follow your bus downtown/
See who's hanging out"
Blondie - One Way or Another


Passou então a desejar a repetição de cada coisa que acontecera na noite passada, sentir a vida pulsando nos ouvidos, as mãos dele passando no seu tórax mirrado e liso, o desejo das palavras certas, um "eu já te achava interessante", a revelação de que o mundo é mesmo assim como diziam, não se pode mandar no peito e no púbis, não há guarda-chuva contra o amor.

Mãe, tenho que resolver uma coisa, bateu a porta de casa, era tarde da manhã, quase meio dia, era tarde, era quase noite, o céu era púrpura, violeta, rosa e todos os tons que abraçam os meios dessas três cores, um passo firme, o beijo da pedra, da mão, o soco da chuva, o tempo todo passando as mãos no tórax dele, mirrado, liso e delicioso, era como se fosse o prêmio final das revelações daquele novo mundo. Ninguém nunca havia dito que era assim que as coisas aconteciam, mas era assim que as coisas aconteciam, rapaz.

E então era daquele jeito diferente. Uma indiferença, um calor nos lábios, um beijo, um trevo, só dá sorte se você ganhar de alguém, um passeio, um sorvete, os sabores de fruta, limão para o peito, manga para a língua, uva para os olhos, tomado de sabores e noites escondidas na sala, ele se deixando descobrir e penetrar, aos poucos, há delícias que só se descobre se há coragem para seguir. Sê mais gentil, quero te dar um presente, você não se importa em estar aqui, não é? É assim que você pensa?

A Redenção

"Você é o cheiro bom da madeira do meu violão[...]
Você é a canção que consigo escrever afinal"
Caetano Veloso - Pé do meu Samba


Passados tantos anos, ainda pensava naquelas noites, nas cervejas e delícias, pensava em tudo e ainda via as marcas das unhas dele no seu peito bruto e amargo, os pêlos da barriga pediam a mão dele, prendia a respiração um segundo sempre que o via, mas isso nunca admitiria. Levaria para sempre dentro de si o recado final, a ilusão primeira, a verdade derradeira: "eu nunca pensei que isso fosse acontecer".

sexta-feira, 7 de março de 2008

Mas isso acaba aqui









segunda-feira, 3 de março de 2008

Easy wrighter

Bilhete 1 – (Local: Rua Amaro Leite, em frente ao número 421 - Zona Norte)
Eu quero que você se foda! Eu quero que você se foda, se arrebente, se mate, se estrepe! Eu quero que você se foda, porque você é nada. Você é nada, uma merda de nada! Você não presta, você não sabe o que é amor. Você nunca teve amor. Ninguém nunca te deu. Você não sabe o que é viver, você não tem pai nem mãe, não tem casa, não tem jeito, não tem sonho, não tem amigos, não tem porra nenhuma e fica afundando esse nariz no pó pra fingir que é legal, que é da moda, que tá de boa! Eu quero que você se foda! Se foda! Se foda, entendeu? Se foda!

Bilhete 2 – (Local: Rua Bento Nobre, em frente ao número 1.298 – Zona Norte)
Me avisaram. Me avisaram sobre quem você é. Me avisaram que você não respeita ninguém, que você não ama ninguém, que você não deseja ninguém, só a você. Eu já sabia da sua história e de suas merdas de estórias. Eu sabia das suas putarias, das suas sacanagens. Entrei sabendo. Mas, caralho, você não podia uma vez na vida ser alguma coisa melhor que essa merda de pessoa que você é? Agora eu fico aqui, escrevendo pra você e jogando essas merdas pela janela do carro no meio da noite. Merda. Merda. Merda!

Bilhete 3 –
(Local: Avenida Independência, em frente ao numero 3.879 – Zona Leste)
Eu sei que você não vai ler essas merdas que eu tô escrevendo. São 3 e meia dessa porra de madrugada e eu aqui, escrevendo essas porras de bilhetes que você nunca vai ler. Eu sou mesmo idiota. Idiota! Uma merda de pessoa idiota que se meteu a amar você. Porque eu queria amar você, amar seu cheiro, amar esse sorriso escroto que você tem, puta que pariu que sorriso lindo que você tem que me desmancha e me faz esquecer que você não presta, que você é nada. Quem é nada sou eu. Eu sou nada e sou ainda mais nada sem você. Sem você, sem a merda do seu sorriso escroto. Eu sou nada sem você. Nada.

Bilhete 4 –
(Local: Rua Amália Meneses, em frente ao número 211 – Zona Leste)
Eu morri. Hoje eu morri. Eu morri quando vi você cantando. Morri quando vi você sorrindo. Morri cinco, dez, mil vezes, porque toda vez que você piscava e eu via seus olhos piscando, toda vez que você respirava e eu via seu peito subindo e descendo, toda vez que você abria a boca e eu sentia o cheiro da sua boca, toda vez que eu via que você ainda existe e está feliz eu morria outra vez. Estava a dez metros de você e sentia o seu cheiro de chiclete de canela na sua boca, e sentia o seu cheiro de chiclete de canela na minha boca, e sentia o seu cheiro de chiclete de canela em toda parte de mim. Eu morri. Morri mil vezes. Mil vezes. Morri.

Bilhete 5 – (Local: Rua General Coriolano Bezerra, em frente ao número 474 – Zona Leste)
São 4 e 19. E eu pensando em você. E eu pensando em nós. E eu pensando no que a gente sonhou. E eu pensando no jeito que você tem de arrumar o cabelo depois do banho. Puta que pariu, como é que alguém pode sair do banho e passar a mão nos cabelos como você faz? Como é? Como é que alguém pode sentir o tesão que eu sinto quando vejo você passar a mão no cabelo depois do banho?

Bilhete 6 – (Local: Avenida Expedito Alves de Oliveira, em frente ao número 806 – Zona Leste)
Você me dá nojo. Você me enoja. Tô vomitando a alma aqui, pensando em você. Pensando em quantas vezes você me beijou depois de beijar alguém no meio do caminho. Pensando em quantas vezes você me abraçou, me sorriu, me colocou no colo depois de ter fodido com alguém. Você me dá nojo. Eu te odeio. Eu te odeio como nunca odiei você. Eu te odeio porque sem você eu não sou porra nenhuma. Eu te odeio porque sem você eu sou menos da metade de mim. Eu te odeio porque amo você. Cacete, como eu amo você!

Bilhete 7 – (Local: Rua Bonésio Leiva, em frente ao número 14 – Zona Sul)
Vou pra casa. Cansei de rodar, rodar, rodar. Cansei de você e de escrever essas merdas pra você. Você nunca vai ler, mesmo. Você nunca nada.Vou pra casa e vou trancar a porta e deixar você para sempre do lado de fora. Vou ficar liv

***

- M., preciso te dizer uma coisa.
- A essa hora da manhã?
- M., aconteceu uma coisa. Senta e escuta.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

o que queremos?

dois DEDOS na GARGANTA: literatura? fotografia? invenção? falta do que fazer? arte? arte!?!?

“sugere-se apenas UMA regra: um posta, depois é a vez do outro. pra ‘obrigar’ a gente a fazer os posts e um de nós (eu, mais especificamente) não ficar enrolando.”

um texto inspira uma foto. uma foto inspira um texto. uma foto, um texto.

uma foto de juliana alves, um texto de andré gonçalves, uma foto de edson costa, um texto de pedro jansen. não necessariamente nessa ordem, ou em qualquer ordem. um texto, uma foto. um texto inspira uma foto. uma foto inspira um texto.

ad infinitum e pelo bem da experimentação.