terça-feira, 21 de abril de 2009

teresinha de jesus.


...foi aquele a quem teresa deu a mão.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

The Forgotten Boys Street

Bati palmas no portão da casa, vi uma senhora levantando lá dentro, coçando o ombro e fazendo cara de quem não queria ter levantado por nada nesse mundo, “oquêqueémeufilho?”, ela cuspiu e quando eu disse que queria ver Loana, que tinha esse nome por culpa do escrivão do cartório da rua dos Absurdos, a velha então cuspiu no chão e gritou forte para dentro de casa: “LOAAAAAAANA” e a menina veio enfeitada de raio de sol com um laço verde no cabelo, cheirando a baunilha. Ela passou e disse que ia brincar na pracinha em frente de casa. “Arrumada desse jeito?”, cuspiu de novo e Loana então disse: “Sim, Marilda, só brincar com o Etevaldo, meu amigo”.

Não gosto desse rapaz, desse menino, não gosto que me chamem no meio da minha novela, eu já trabalho a semana inteira e ainda tenho que ficar atendendo a porta pra essa molecada ficar fazendo barulho na frente da minha casa, atrapalhando a minha novela? Essa menina vai se perder, essa Loana, nunca vi essa história de menina ter amigo homem, de brincarem juntos, de rirem tanto, as caras que essa menina faz quando tá perto desse Etevaldo, esse chamar de amigo, essa fita no cabelo... Eu não sei, acho que essa menina vai acabar se perdendo, o Francisco não acha e ele não precisa saber que eu só respeito a vontade dele por que é ele que paga minhas contas e me deixa ficar em casa cuidando das minhas coisas, ruim era no tempo em que eu tinha de acordar pra ir para o trabalho, mas agora eu herdei essa menina, com esse nome estranho, agora que o Francisco me quer só pra ficar em casa eu não vou reclamar. A filha não é minha, o problema no fim das contas é dele.

Eu quase nunca tenho um motivo bom para sorrir que não seja quando o Etevaldo aparece na porta de casa, de banho tomado e cara lavada, e boca cheirando a pasta de dente, me chamando pra brincar na pracinha em frente de casa. Essa mulher não é minha mãe, a minha mãe morreu e me deixou um apelido secreto, só meu e dela e uma fita verde de por no cabelo. “Pros dias especiais, minha filha”, então quando o Etevaldo vem eu ponho a fita e eu vejo pelo olho dele que ele acha bonito. Essa mulher ai sente inveja da minha mãe, eu sei, por isso que ela é tão zangada comigo. Mas meu pai esqueceu minha mãe e gosta dela e eu sou só uma criança, então eu não posso fazer nada a não ser chorar à noite ou sorrir bastante quando o Etevaldo aparece aqui. Acho que da próxima vez que eu precisar ir na padaria comprar o pão do café da tarde eu vou dar um jeito de pegar umas moedas pra mim então eu vou apostar com o Etevaldo uma corrida boba e perder e ai dar as moedas pra ele e sugerir como quem não quer nada pra gente ir tomar um sorvete. Ai eu sei que ele vai me pagar esse sorvete e eu venço essa besteira dele de achar que eu não posso pagar nada, nem um bombom nem uma maria-mole ou um quindim. Nessa vida a gente tem que ser esperta, senão vem uma velha dessas e nem deixa a gente tomar sorvete.

Quando a minha mulher morreu eu não soube muito bem o que fazer, a Loana tinha pouco mais que quatro anos e esses quatro anos seguintes foram bem difíceis, mas no fim das contas eu consegui arrumar uma mulher boa para ficar em casa e que gostasse de mim e fizesse bem para a Loanda. Ah!, como a Marilda gosta dessa menina, eu vejo no jeito dela que ali tem um carinho bom. Eu tenho muita sorte de poder contar com essas duas meninas na minha vida, por que a Marilda pode ter sua idade, mas é uma menina, um anjo, uma coisa linda. O Etevaldo... o Etevaldo é uma outra história...

Do lado de fora da casa, enquanto a criança brinca e a menina do olho dança e o sol se põe devagar, Marilda observa o jardim e conta os botões de rosa dando um tempo pra novela voltar do comercial. Aponta longe o carro de Francisco, subindo a rua, e Loana pensa “meu pai vai gostar de me ver com a fita verde que minha mãe me deu” e pede para Etevaldo esperar um pouco. O pai, Francisco, breca o carro, bate a porta e a filha chega e o abraça “oi, pai”, o pai retribui o abraço, diz que está cansado e que quer entrar logo, a chama para o jantar, Marilda já está na sala e beija o marido, Etevaldo está longe e esquecido, mais uma vez imagina, o portão já vai fechando e Loana, no último segundo libera o menino para respirar de novo, “Amanhã eu quero apostar uma coisa contigo”, ele ri, sabe que vai ganhar e desce a rua feliz, pensando na fita verde, em Marilda e no carro novo do seu Francisco. Etevaldo sabe que ama Loana e espera logo logo poder fugir com ela. “Toda vez que ela usa aquela fita verde ela fica tão linda”.

Chuta mais uma pedra e o lusco-fusco fica mais intenso. Um vento forte traz o cheiro de baunilha de Loana de volta para o nariz dele e ele ri.

sábado, 20 de setembro de 2008

Cárcere interno

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Querido Diário

Meu dia hoje foi bastante movimentado.
Pra começar, soprei uma nuvem que ficava em cima da minha cama.
Era uma nuvem preta, com cheiro de cachorro molhado, e que tinha uns olhões, assim, bem grandes, que olhavam pra mim e me faziam ficar espremidinho no meu travesseiro, com as pernas encolhidas e o dedão na boca e os pés gelados e um bolo de cabelo agarrado dentro do estômago. Mas eu lembrei do meu avô e resolvi ser corajoso como ele, e enchi o peito e dei um sopro bem forte nela, a nuvem preta, mas um sopro bem forte, bem forte, aí a nuvem preta arregalou os olhos e tentou gritar alguma coisa, mas ela só tinha olhos e não tinha boca. Aí ela se espichou, como se fosse de borracha e quisesse tentar segurar na cabeceira da minha cama, mas aí eu fiz mais força e soprei mais forte, aí ela não agüentou e, de olhões arregalados, ela foi espichando, espichando, espichando até ficar bem fininha, aí de repente voou todinha embolotada e bateu no vidro da janela e virou água, e escorreu pela parede e o meu quarto começou a ter cheiro de lençol limpo e desinfetante no chão.
O engraçado, Querido Diário, é que os olhões da nuvem preta ficaram grudados na janela, e de vez em quando eu olho pra eles e eles estão olhando pra mim, mas de repente uma lágrima escorre de um dos olhos e, quando eu vejo, os olhos da nuvem preta estão cinza. E eles não param de olhar lá pra fora, acho que os olhões estão esperando alguém que, tomara, chegue logo, porque eu não vou conseguir olhar por muito tempo os olhões cinza da nuvem preta sem ter vontade de contar pra eles as coisas que eu aprendi na escolinha de milk-shake da tia Lourdes. Agora deixa eu terminar porque lá fora tá fazendo sol, e eu preciso catar umas estrelinhas pra colocar no envelope e mandar pra ***, que eu prometi a ela ontem que ia dar o céu pra ela, e preciso começar a cumprir minhas promessas antes que volte a chover.
Tchau.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

everybody knows this is nowhere.

I walk through the streets and memorize the city
I count every light until i reach the shore
Sometimes i close my eyes and you’re not very pretty
Sometimes i can’t believe i’ve had those thoughts
Before

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Atos de uma esquizofrenia vigiada

Absurdou a possibilidade de ser exatamente aquilo que pretendia: instável; se apoiando em pedaços já bem mastigados de passado.

Absurdou, desacreditou e enfim acordou consigo mesma que a possibilidade não era tão remota quanto ela imaginava. O frio havia extinguido sua libido, e o tempo, os sulcos libidinosos de seu corpo, tudo parecia habitar apenas a mente. Tudo parecia natural apenas na morte.

Suspirou pelos corredores da casa, cheirando a poeira que lembrava os dias menos frios e pensou na acachapante possibilidade de ir embora e sumir dentro do seu ridículo, mas desistiu da idéia quando pensou na fantasia da avó: "ah! como eu seria feliz numa terra em que nenhum filho da puta me conhecesse...", falava a velha, andando pela casa, cheirando a poeira do tempo e rezando entre palavrões. Será que ela também estava ficando velha, senil, imbecil, esquecida e esquecível?

No quintal da casa havia apenas uns pés de planta, galhos de fortuna, capim de cheiro, nada de frutas e um gato escondido pelos pequenos matos do caminho que levava até a parte de cima do quintal. Lá, um quarto sempre fechado.

À noite, quando não se podia ver nada pela casa desligada, ela caminhava por entre os móveis, arrasando os pés no chão e chamando pelos filhos distantes. Eu via tudo isso do alto, observava tudo e lia tudo que estava escrito entre os milhares de palavrões que habitavam a mente daquela senhorinha de pés chatos e sandálias de couro antigo. E chambre. E ela chamava também pelo marido.

Ela chamava por qualquer pessoa que pudesse ver através da senilidade dela. A consciência pedia que ela gritasse por qualquer sinal de respeito, mas o corpo não obedecia, era um torpor só, uma tristeza aguda, uma dor que não passa por mais que se beba e se deite e se chore ou se grite. A agudez das coisas dentro da cabeça da minha amiga perfurava seu crânio e as coisas vazavam para o chão, tocando os pés das mesas, subindo pelas estantes, pulando para as pessoas que dormiam, disseminando a aquiescente certeza de que os processos são todos iguais, e a dor, inevitável.

Não fazia muito tempo ela ia à igreja de bom grado, reverenciar seus anjos e santos, pedir perdão pelos pequenos pecados, desistir das antigas promessas, devolver graças alcançadas... Era engraçado ver tudo isso, e depois reparar que aquela senhora que sempre sentava entre o coro, cantando apaixonadamente os hinos débeis, de repente passara a ser atravessada com o olhar das outras hipócritas, aquelas que surraram os filhos, negaram água ao passante, desejaram a morte das amantes dos maridos...

Mas perdi o foco. O foco era a senhora, nem nova nem velha, arrastando seu chinelo pela casa, na boca palavras sem sentido e convocações a filhos distantes, crescidos, débeis como ela, e o marido morto, dentro do último cômodo da casa, aquele depois dos pés de planta, dos galhos de fortuna e do gato imbecil e vingativo, o marido esperando no alto cômodo, num chamado que ninguém mais escutava. A não ser à noite, quando entre os corredores da casa eu o via passar de quarto em quarto, guardando o sono, mudando os livros de ordem, enchendo copos de água que ninguém bebia. Ele estava à espera, assim como eu.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Que transluziam aqueles dias de bailarina

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Carta em portunhol de um capixaba entortado pelo amor à moça argentina desconhecida que pisa em nuvens

Villa Vieja, Brasil, 3 de marzo de 2008

Querida C. Larreta,

Soy tuyo. Tu no me conheces, pero soy intera e completamiente tuyo.
Tu no me conheces. Entonces, apresento-me: soy Mário. Mário Ernani Monteiro, brasileño, vinte e siete. Jo soy ascensorista. Não sé se en Argentina se chaman los ascensoristas de ascensoristas, por eso lhe digo que ascensoristas son aqueles que mueven los elevadores para arriba e para abajo de los edifícios.
Tu no me conheces, pero jo pienso que sé tudo sobre ustéd. Tudo lo que es importante a su respecto, eu lo sé. E todo lo que es menos importante a la vista del mundo, a mi me gusta ainda mas e se torna mas importante e poco importa a quien no se le importe.
Jo sé como camiñas a la playa en noche de luna llena.
Jo sé como se muevem los cílios de tus ojos en tarde de brisa fresca e como los movimientos de sus cílios forman um gran huracán dentro de mi pecho.
Jo sé como se perfuma el cielo quando abres la boca en un sorriso largo.
Jo sé como la vida parece hecha de algodón doce e redondos pirulitos encarnados quando te mueves los cabellos enquanto bailas.
Jo sé como el mundo toma la forma de su cuerpo enquanto dormes.
Jo sé que tus piés no se tocan al suelo: tus piés elevan-te a alguns centimetros del reles suelo deste ingrato planeta, e la brisa se encarrega de te transportar, suave como una pluma, leve com um panero jugado de una montanha em tarde de primavera, iluminada como una gota de lluvia en una manãna llena del oro do sol.
Mientras escribo, jo respiro tu cheiro en el magazine que se queda em mis manos. E el aroma de flores campesinas transportan-me hasta el mundo onde el mar é tranquilo e caliente e me invade el corazón e me aplaca la tristeza que sinto por no estares acá. Por que assim estás acá, jo la sinto, jo la toco, e por estar siempre en mis sueños jo sinto sus manos a tocarme por todas las partes, e jo sinto tus lábios a sorverme a alma, e jo sinto tu olhar a flutuar en el aire em direzon a mis ojos.
Pero, en todas la noches, después de regallarme por tu cuerpo bidimensional e encharcar la tua pele envernizada con todo mi desejo e no escuchar la tua respiracion ofegante e ritmada e feliz e rapidamente ressucitada de duas o três pequenas muertes, percebo que, en verdad, tu no te mueves e no te brillan los ojos e no te puedo dar una taça de vino para adormecer sua sofreguidón. Porque estás quedada, presa, imobilizada e no pasa de una miragen, un delirio, una sombra que paira sobre mi corazón, una página de una vieja revista, con uns ojos azuis como el céu.
Entonces, leia esta missiva con cariño, fica tu con mi corazón trancafiado en tus ojos mientras jo fico acá segurando-la en mis manos e dormindo todas las noches con el resto del su perfume de tinta fresca em mi travessero e la tua piel amarrotada e con mancha de chokito en tu pierna izquierda, enquanto fico aqui com tu em mis sueños, mientras jo fico acá con mis olhos cerrados por sobre su boca, enquanto mi corazón se abre num grito contido e silencioso, silencioso para que no incomode los transeuntes, para que no incomode los pasageros e para que no incomode a la tranquilidade que emana del sorriso que me estampas. Enquanto jo permaneço subindo e descendo neste elevador sem sair del mismo lugar todos los tristes dias de mi vida.
Como hace onze años lo faço.

Tuyo,

Mário

domingo, 27 de abril de 2008

No ronco da cidade uma janela assim acesa.


[daqui a pouco, o dia vai querer raiar]

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Madrugadas foram feitas para?

"Trancou a porta?", ela sempre perguntava. Eu dizia que não era preciso, que não tinha perigo, que não precisava medo. Ela ficava tensa e só relaxava o canto dos olhos, dava um sorriso de satisfação, ficava com o pescoço liso e macio quando eu passava duas voltas na tranca.

A mesma porta que rangia, que fazia barulho, a do mesmo quarto de tantas tardes, de tantas noites, manhãs, confissões, desculpas e explicações. A mesma que um dia eu abri, passei, andei pela cozinha, olhei dentro de casa e não vi ninguém. Nem na cozinha, nem na sala, nem quarto de minha irmã, alguém escovando os dentes no banheiro?, não, nem tinha, nem no quarto de minha irmã, nem na sala, alguém vendo um filme. Não tinha ninguém. Energia também não. Era fim de noite, alta madrugada, no meio termo entre ser ontem por que ainda dormimos e hoje por que já acordamos. Não havia luz na minha casa, eu não queria velas, lá fora os faróis amanheciam o asfalto, doiravam as poças de água, era o que eu precisava para passar o tempo até o dia chegar de verdade e eu sair pelo bairro para ver o povo sair das casas. E ainda chovia.

Chovia fino, chovia um chuvisco fino e frio, sem vento, caindo lentamente, com preguiça, gota por gota sendo acordada no alto, convocada para molhar mais a terra molhada aqui embaixo e aí precipitada à força das nuvens pretas, negras, rubras, roxas e únicas - um bloco só de nuvens de todas as cores.

Ela ficou no quarto, no meu bolso, grupada nos meus pêlos, suada nas minhas costas, enrolada nos lençóis, enquanto eu pensava e saia de casa e chegava ao sítio do meu avô, via as águas do rio fortes e sem cabelos, como insistia minha mãe, as coroas inexistentes, as árvores deitando sobre as águas fortes do rio, as coroas não existiam mais, o outro lado parecia distante como quando eu era bem pequeno e via meu avô se meter no mato e buscar cana, e me ensinar que acerola se come do pé, mas que as folhas coçam, o futebol com os moleques do caseiro, o pôr-do-sol na água do rio, as cadeiras na porta da casa...

Saia pela porteira e via meu avô de longe, voltando com feijão, passando pelos pés de caju, as coisas da terra dele, os pés de manga frondosos, em círculo, as copas fechando o chão, as folhas forrando, escondendo os galhos, os pés grossos de andar e descobrir.

Eu via meu avô refletido em tudo aquilo, em cada folha, em cada gota de chuva que caia na plantação, nas telhas da casa e nos pedaços de vidro que faziam os olhos do cavalo de babaçu, nos jumentinhos feitos de maxixe verde e palitos de dente. Eu via meu avô refletido em cada cheiro da terra, em cada passo da terra que ele amava tanto, eu a via refletida em cada parede do meu quarto, em cada dobra do meu lençol, na cama curta, nas gotas de suor se empoçando no meu umbigo, no umbigo dela, nas poças na sala, as palavras lambidas no ar, os olhos se comunicando em diálogos extensos e profundos, os peitos batendo juntos, descendo e subindo juntos, a porta da casa de minha avó, as noites olhando juntos a janela, eu sozinho, vendo as poças, as luzes, as gotas caindo obrigadas, os carros passando, as coisas doiradas e o sono voltando quando já era dia.

"Trancou a porta?".