quarta-feira, 18 de junho de 2008

everybody knows this is nowhere.

I walk through the streets and memorize the city
I count every light until i reach the shore
Sometimes i close my eyes and you’re not very pretty
Sometimes i can’t believe i’ve had those thoughts
Before

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Atos de uma esquizofrenia vigiada

Absurdou a possibilidade de ser exatamente aquilo que pretendia: instável; se apoiando em pedaços já bem mastigados de passado.

Absurdou, desacreditou e enfim acordou consigo mesma que a possibilidade não era tão remota quanto ela imaginava. O frio havia extinguido sua libido, e o tempo, os sulcos libidinosos de seu corpo, tudo parecia habitar apenas a mente. Tudo parecia natural apenas na morte.

Suspirou pelos corredores da casa, cheirando a poeira que lembrava os dias menos frios e pensou na acachapante possibilidade de ir embora e sumir dentro do seu ridículo, mas desistiu da idéia quando pensou na fantasia da avó: "ah! como eu seria feliz numa terra em que nenhum filho da puta me conhecesse...", falava a velha, andando pela casa, cheirando a poeira do tempo e rezando entre palavrões. Será que ela também estava ficando velha, senil, imbecil, esquecida e esquecível?

No quintal da casa havia apenas uns pés de planta, galhos de fortuna, capim de cheiro, nada de frutas e um gato escondido pelos pequenos matos do caminho que levava até a parte de cima do quintal. Lá, um quarto sempre fechado.

À noite, quando não se podia ver nada pela casa desligada, ela caminhava por entre os móveis, arrasando os pés no chão e chamando pelos filhos distantes. Eu via tudo isso do alto, observava tudo e lia tudo que estava escrito entre os milhares de palavrões que habitavam a mente daquela senhorinha de pés chatos e sandálias de couro antigo. E chambre. E ela chamava também pelo marido.

Ela chamava por qualquer pessoa que pudesse ver através da senilidade dela. A consciência pedia que ela gritasse por qualquer sinal de respeito, mas o corpo não obedecia, era um torpor só, uma tristeza aguda, uma dor que não passa por mais que se beba e se deite e se chore ou se grite. A agudez das coisas dentro da cabeça da minha amiga perfurava seu crânio e as coisas vazavam para o chão, tocando os pés das mesas, subindo pelas estantes, pulando para as pessoas que dormiam, disseminando a aquiescente certeza de que os processos são todos iguais, e a dor, inevitável.

Não fazia muito tempo ela ia à igreja de bom grado, reverenciar seus anjos e santos, pedir perdão pelos pequenos pecados, desistir das antigas promessas, devolver graças alcançadas... Era engraçado ver tudo isso, e depois reparar que aquela senhora que sempre sentava entre o coro, cantando apaixonadamente os hinos débeis, de repente passara a ser atravessada com o olhar das outras hipócritas, aquelas que surraram os filhos, negaram água ao passante, desejaram a morte das amantes dos maridos...

Mas perdi o foco. O foco era a senhora, nem nova nem velha, arrastando seu chinelo pela casa, na boca palavras sem sentido e convocações a filhos distantes, crescidos, débeis como ela, e o marido morto, dentro do último cômodo da casa, aquele depois dos pés de planta, dos galhos de fortuna e do gato imbecil e vingativo, o marido esperando no alto cômodo, num chamado que ninguém mais escutava. A não ser à noite, quando entre os corredores da casa eu o via passar de quarto em quarto, guardando o sono, mudando os livros de ordem, enchendo copos de água que ninguém bebia. Ele estava à espera, assim como eu.